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25 de Abril de 2024

Atraso de obra: Juízes já concedem liminar para que construtoras depositem em juízo a totalidade do valor pago pelo comprador que opta pela rescisão

Publicado por Luciana Salles
há 7 anos

No Brasil, o setor imobiliário experimentou um forte crescimento no período entre 2008 e 2011, quando a valorização anual ficou acima dos 20%, acompanhando a aceleração da economia. Uma pesquisa feita pelo Banco de Compensações Internacionais (BID) indicou que a valorização imobiliária no Brasil foi de 121% nos cinco anos seguintes ao período pós-crise de 2008, quando a maioria dos países sofreu forte impacto pelo crash norte-americano.

Diante de tantos lançamentos imobiliários, muitos brasileiros investiram suas economias na compra de imóveis ainda em construção e um dos fatores mais relevantes levados em consideração quando da decisão pela aquisição de uma unidade era o prazo de entrega. Assim, a construtora que anunciasse um prazo de conclusão mais próximo levava vantagem em relação àquelas que prometiam um prazo mais distante.

Ocorre que o prazo prometido aos compradores nem sempre era o mesmo constante do cronograma de obras. Os contratos de promessa de compra e venda continham a chamada cláusula de tolerância de 180 dias – que os tribunais há muito vêm reconhecendo como válida – e, ainda assim, não conseguiam entregar a obra dentro do prazo.

Após vários meses ou anos de atraso, muitos compradores perdem o interesse no imóvel, pois os planos como casamento, filhos, locação, ficam paralisados. A surpresa ocorre quando informam à construtora que pretendem o distrato e a devolução do dinheiro. Neste momento, diversas são as respostas das construtoras. Vejamos as mais conhecidas:

a)Não é possível o distrato, pois a promessa de compra e venda é irrevogável e irretratável

Recentemente, algumas construtoras passaram a trazer esse argumento para tentar impedir a realização do distrato. Em que pese a promessa de compra e venda tenha cláusulas que preveem a rescisão por culpa de qualquer das partes, a crise atual do setor imobiliário fez com que determinadas construtoras simplesmente ignorassem essas cláusulas com o fim de protelar a saída de dinheiro do seus caixas.

Algumas construtoras ainda informam que, para tentar ajudar o cliente, vão colocar a unidade dele à venda novamente e, caso consigam encontrar novo comprador, o valor até então pago pela unidade é devolvido. O comprador, nesses casos, não tem outra opção que não ir a juízo para receber seu dinheiro de volta.

E sim, o setor jurídico deles tem conhecimento de que se trata de um contrato regido pelo Código de Defesa do Consumidor e que essa é uma conduta abusiva (vantagem manifestamente excessiva) – mas as ordens da diretoria têm de ser seguidas e a ordem agora é manter o dinheiro no caixa.

b) É possível o distrato, mas vamos reter 20% do valor pago

Nesse caso, a construtora pretende aplicar a cláusula contratual que prevê a retenção desse percentual caso a rescisão se dê por culpa do comprador, ou seja, por conveniência pessoal. Ocorre que o atraso da obra configura inadimplemento substancial do contrato, o que é motivo suficiente para o comprador requerer a rescisão por culpa da construtora, com a devolução integral de todos os valores pagos.

c) É possível o distrato, mas vamos devolver o valor pago em 36 parcelas mensais

Essa terceira hipótese, normalmente, vem com a segunda também. Retêm-se um percentual do valor pago e devolve o restante – sem correção monetária – em parcelas mensais. A justificativa para o parcelamento, em regra, é a de que o consumidor também realizou o pagamento do montante em parcelas mensais. Os tribunais, contudo, não têm aceitado essa tese.

A multiplicidade de ações judiciais sobre a matéria resultou na edição da súmula nº 543 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 543. Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

Aqui, é preciso ressaltar que as construtoras tentam afastar a culpa pelo atraso com a alegação de caso fortuito ou força maior, apontando, e. G. A ocorrência de chuvas fortes, greves da construção civil e de bancos e embargos do empreendimento. Essas justificativas não têm sido aceitas pelos Tribunais como oponíveis ao consumidor. Neste sentido, vejamos o enunciado da súmula nº 161 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Súmula 161. Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos. Essas justificativas encerram 'res inter alios acta' em relação ao compromissário adquirente.

Um dos maiores inconvenientes para ajuizar a ação de rescisão contratual nesses casos – na qual se requer, também, as indenizações cabíveis pelo atraso – era a não concessão da liminar, pelos juízes, para determinar que a construtora devolvesse ou depositasse em juízo, imediatamente, os valores até então pagos pelo comprador, obrigando as partes a aguardarem o fim do processo para receber o dinheiro de volta. Resultado: o comprador precisava do dinheiro investido para comprar outro apartamento e teria que esperar alguns anos para poder fazê-lo.

Felizmente, já podemos celebrar a mudança de posicionamento dos magistrados de primeira instância – que estão passando a deferir liminares nesses casos –, bem como dos tribunais, que as estão mantendo quando julgam os recursos das construtoras.

Em recente decisão, proferida nos autos do processo nº 0523577-73.2016.8.05.0001 pelo juiz Osvaldo Rosa Filho, titular da 9ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador/BA, fora concedida a liminar determinando o depósito em juízo do valor pago pela compradora, atualizado, na medida em que esta optou pelo distrato diante do enorme atraso nas obras, fundamentando o seguinte:

Sem adentrar no mérito, é incontroverso que a autora firmou contrato de compra e venda de unidade habitacional, devidamente descrita, conforme se verifica do instrumento de compra e venda juntado.

Restou evidenciado, ainda, o efetivo atraso na entrega da obra, tendo em vista que, da Promessa de Compra e Venda constou expressamente do objeto do contrato “a data prevista para entrega das chaves da unidade autônoma: 01 de março de 2014 (item 9.1.1 do contrato)”.

Assim, verifica-se plausibilidade nas alegações da parte autora porquanto, ainda que considerado o prazo de tolerância estipulado, não tendo sido o empreendimento entregue a até a presente data, vislumbra-se significativo atraso, por parte da construtora na entrega do empreendimento CONDOMÍNIO VILLA DO MAR.

A prova documental que foi carreada para os autos, já com a inicial, dão sustentação às alegações da parte autora para o efeito de se lhe conceder a tutela perseguida e, portanto, diante da evidencia enfocada, num juízo de cognição sumária, a defiro.

A construtora interpôs recurso de Agravo de Instrumento, com pedido liminar de suspensão dos efeitos da decisão de primeira instância, bem como a sua reforma para afastar a determinação de devolução imediata da integralidade dos valores pagos. A relatora negou o pedido de efeito suspensivo e, no mérito, a turma entendeu pela improcedência do apelo[1].

Com a devolução desses valores em sede de liminar, restam os pedidos indenizatórios a serem analisados em sede de sentença. Conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, o atraso na entrega da obra gera presunção de prejuízo do promitente comprador, cabendo a condenação por lucros cessantes, que costumam ser fixados entre 0,5% e 1% do valor do imóvel por cada mês de atraso.

Além disso, requer-se a inversão da cláusula contratual que prevê penalidades para o comprador caso atrase o pagamento das parcelas. Estas penalidades, em regra, são de 1% de juros ao mês sobre o valor da parcela e 2% de multa, inexistindo, por sua vez, regra que penalize a construtora acaso atrase a entrega da obra. Inverte-se, portanto, a referida cláusula, para condenar a construtora a indenizar o comprador em multa de 2% sobre o valor do imóvel, bem como 1% ao mês. Essa inversão tem por fundamento o princípio do equilíbrio dos contratos e nada impede a sua cumulação com a condenação por lucros cessantes[2].

Já a condenação em danos morais, nesses casos, não é unanimidade. Alguns julgados têm por fundamento a afirmação de que o mero inadimplemento contratual, por si só e em regra, não gera dever de indenizar por danos morais. Ocorre que, a depender do caso, os abalos psíquicos e os prejuízos experimentados pelo adquirente configuram inegáveis danos morais, e. G. Um atraso excessivo na obra, a falta de satisfação pela construtora ou até mesmo a intenção de comprar o apartamento diante do iminente nascimento de um filho.

O papel do Poder Judiciário é fundamental na construção de uma sociedade em que os fornecedores de bens e serviços respeitem os direitos dos consumidores. No caso das incorporadoras, espera-se que as condenações judiciais sirvam para inibir a promessa de prazos impossíveis de serem cumpridos, assim como compensem os clientes diante de eventuais falhas no cumprimento dos deveres contratuais, evitando, portanto, a necessidade destes irem a juízo.


[1] TJBA. Segunda Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 0018345-43.2016.8.05.0000. Relatora: Desembargadora Lisbete Mª Teixeira Almeida Cézar Santos. Julgado em 24/01/2017. Publicado em 27/01/2017.

[2] STJ. Recurso Especial nº 1.119.740/RJ. Terceira Turma. Relator: Min. Massami Uyeda. Julgado em: 27/09/2011. Publicado em: 13/10/2011.

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2 Comentários

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Justo! continuar lendo

Sempre há uma parte que é incontroversa e que deveria ser paga liminarmente, mas o histórico comprometimento do Judiciário com as construtoras prejudica milhões de pessoas.

Resta saber se o STJ não vai reverter tais casos e pacificar o assunto em prol dos empreiteiros mais uma vez, porque está para nascer um tribunal mais descarado do que este. continuar lendo